MÚSICA | ULTRAJE AO LUXO E RIGOR AO LIXO

replicantes

Aparentemente reclamar no Twitter tem se tornado uma prática comum para uma breve sobrevida sob os holofotes da mídia.

Roger Moreira, vocalista do Ultraje a Rigor, é um exímio mestre na arte da autopromoção polêmica. O músico admirado pela carreira de sucesso nos anos oitenta e (parcialmente) noventa, conquista mais uma vez destaque na grande mídia, mas infelizmente longe de aproveitar-se de sua exposição como atração convidada para a abertura da aguardada apresentação dos Rolling Stones no Rio de Janeiro.

Mais polêmico que uma reunião de pauta do coletivo Vice, e tão infantil quanto um adolescente censurado pela autoridade dos pais, Roger declarou via Twitter um inadmissível descaso abusivo por parte da produção britânica. Queixando-se do tratamento recebido (ou percebido), Roger afirma que apresentar-se novamente como uma atração de abertura “NUNCA MAIS”. Em menos de 1 hora após a publicação da queixa, o ídolo (?) oitentista declarou-se aliviado com um pedido de desculpa da produção, desconversando o ocorrido.

O mundo é definitivamente menor do que imaginamos, e de fato o que projetamos acabamos por colher. Hoje o cineasta gaúcho e ex-integrante da banda Os Replicantes, o ilustre sr. Carlos Gerbase, postou em sua conta no Facebook uma resposta à Roger Moreira, vocalista do Ultraje a Rigor. O texto, republicado abaixo na íntegra em destaque é genial.

A GENTE SOMOS LIXO? – POR CARLOS GERBASE

O Roger, do Ultraje a Rigor, está reclamando que a sua banda foi maltratada pela equipe dos Rolling Stones, para quem abriram o show no Rio de Janeiro. Ele escreveu em seu Twitter: “Nós somos lixo para eles”. Não sei em que condições contratuais o Ultraje fez seu show, não sei se receberam um bom cachê e não posso opinar sobre o tratamento que a banda recebeu, já que eu não estava lá. Mas posso contar uma pequena história sobre a abertura que a banda Os Replicantes fez para o primeiro show do Ultraje a Rigor em Porto Alegre, lá pelos idos de 1986.

Nós (Os Replicantes de então: Wander Wildner, Heron Heinz, Cláudio Heinz e Carlos Gerbase) éramos amigos dos produtores que trariam o Ultraje para tocar no Auditório Araújo Vianna e fomos convidados para fazer a abertura, sem receber cachê, simplesmente pela oportunidade de tocar num lugar bacana, para um grande público (“Inútil”, do Ultraje, estava rodando bastante nas rádios, e isso garantia o sucesso do espetáculo). Topamos. Na hora de combinar como seria a infra do palco, a produção disse que poderíamos usar os mesmos amplificadores e a mesma bateria do Ultraje.

Minha bateria, na época, era uma Pinguim pequena e de segunda mão, de quem guardo excelentes recordações, mas que não tinha condições de fazer um show profissional para 5 mil pessoas: pedal de bumbo quase estragado, peles quase furando, estantes de pratos quase caindo e pratos (nacionais) já rachados. Como os pratos e a caixa são equipamentos muito pessoais e sujeitos a avarias, combinamos que, apesar de tudo, eu usaria os meus. Punk rock não tem frescura.

De tarde, fomos passar o som. Tudo normal. Sentei na bateria colocada num praticável e comecei a arrumar meus pratos e a caixa, quando alguém me disse que eu não poderia usar aquela bateria, pois o Ultraje não queria emprestar. Tinham ficado sabendo que eu tinha a mania de detonar e derrubar o instrumento no final do show. Mito. A minha pobre bateria é que caía sozinha às vezes. Expliquei para a produção e para os caras do Ultraje que eu tomaria o máximo cuidado, mas não houve acordo.

Faltava menos de uma hora para o show. Não dava tempo para alugar outra bateria. A solução foi pegar meu carro e trazer minha Pinguim velha de guerra, que foi montada na frente do praticável da bateria do Ultraje. Nem o praticável eu pude usar! Lembro do contraste entre a Pinguinzinha, no chão, e aquela bateria enorme e importada sobre o seu praticável. Que merda! Eu me sentia como lixo… Que bom!

Entramos no palco e quebramos tudo (esteticamente falando). Foi um dos shows mais bacanas da história da banda, com direito a muito pogo no fosso do Araújo (que saudade do fosso!). E a Pinguinzinha ali, com seus pratos rachados, suas estantes periclitantes, seu pedal de bumbo arrumado com arame, resistindo bravamente. Tocamos uns quarenta minutos, conforme o combinado, e saímos do palco suados, felizes e com a sensação de termos feito história. Recolhi a Pinguim, botei no porta-malas do meu Chevette (sim, ela cabia inteira no porta-malas) e voltei pra ver o show do Ultraje.

Fazendo sua primeira piada (ou “homenagem”) da noite, os quatro músicos do Ultraje entraram no palco pilchados, isto é, de bombacha e com uns lenços ridículos na cintura. Levaram uma das maiores vaias da história do Araújo. O rock é, antes de qualquer coisa, uma música que derruba convenções e estimula a liberdade, e os caras vêm fantasiados de “gaúchos”. É dose. Comecei a ver o show, aguentei uns vinte minutos e, percebendo o populismo da banda (o tempo todo querendo “agradar” ao público) fui embora.

Essa é a história. Pena que nunca abrimos para os Rolling Stones. Pena que nunca toquei na Gretsch do Charlie Watts. Mas ainda bem que nunca sentei na bateria do Ultraje a Rigor. Ela não merecia a minha bunda.

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