CINEMA | A ESTRADA TEDIOSA DE WALTER SALLES

Nunca subestime um idealizador, pois por mais próximo que esteja do sucesso, ele sempre vai manter um dos pés preso ao fracasso. E Walter Salles infelizmente fracassou. On The Road (Na Estrada, em português), possui tudo o que um grande filme gostaria de poder ostentar, ao mesmo tempo em que figura sem temores, pelo cultuado universo independente cinematográfico, um paraíso falido, habitado por boas ideias, pretensão e nenhuma bilheteria.

O plano era perfeito ou deveria ser. O roteiro obedece às regras (?) presentes na cultuada bíblia beat, do superestimado (vamos ser sinceros?) escritor Jack Kerouac. A direção e a produção são confiadas a uma nova promessa estrangeira em Hollywood, o nosso digníssimo Walter Salles. E por fim, para provar que não se trata apenas de uma diva adolescente, uma estrela em ascensão (?) aposta na produção rotulada como independente (mas com expectativas de blockbuster), arriscando inclusive uma nudez parcial inédita, em uma tentativa pífia de tornar-se uma atriz genuína, a doce e infiel Kristen Stewart. Mas e o resultado? Veremos.

A trama é simples, arrogante e nada original. Ritmado por sexo, drogas e jazz, On The Road conta a história do jovem escritor Sal Paradise (interpretado pelo antipático Sam Riley), cuja vida é sacudida e inteiramente transformada pela chegada de Dean Moriarty (o anti herói Garrett Hedlund), um jovem libertário destemido e contagiante, cuja amante Marylou (Kristen Stewart), convulsiona suas relação com apenas de 16 anos de idade. Eu entendo que alguns podem acreditar que On The Road trata-se de uma mascarada história de pedofilia musicada, ou talvez uma variação de Lolita versão estradas interestaduais, mas por fim o filme e o seu enredo não são.

É claro que tem quem encontre a filosofia pílula de Kerouac na obra de Salles, assim como tem quem acredite que a estrada é a protagonista principal de sua história, brilhando como um sinônimo de mudança, transformação e crescimento. Provavelmente alguém em algum lugar também se permitiu convencer que as “insanidades colegiais” de Dean Moriarty, interpretado pelo iceberg Garrett Hedlund, são de fato interessantes ou minimamente engraçadas. Eu acredito. Eu acredito em quase tudo, mas eu não acredito que o papel da sexy e endiabrada Marylou, tenha ficado sob os cuidados da insossa Kristen Stewart. Não existe expressão em Stewart que alcance o que entendemos como sexy. Ela não funciona sequer seminua ostentando apenas o óculos de sol. Sua expressão assexuada não consegue transmitir a euforia histérica e descontrolável que se espera de uma convincente Marylou. E assim, também é possível que afirmar que Salles fracassou na definição do seu elenco.

A obra de Kerouac é seca e amarga. Em sua trama a falta de inspiração do escritor Sal Paradise sofre uma transformação absoluta com a chegada do anárquico Dean Moriarty, e a sua devassa namorada juvenil Marylou. Enquanto Dean atravessa o país ignorando regras e limites de velocidade, Sal se aproxima cada vez mais do universo errático do caótico novo amigo, relacionando-se com drogas, clubes de jazz e apaixonando-se por sua namorada, com quem irá viver um breve triangulo amoroso. A profundidade dos personagens está distante do superficial, e o romance proibido é questionado como uma proposta liberal, enquanto o jazz embala todos os corpos delirantes, dominados por entorpecentes em quantidades quase mortais. Perfeito. A obra escrita é de fato emocionante, e o poderia facilmente se resultar no argumento perfeito para o filme do ano. Uma obra prima se não fosse a sensibilidade errática de Salles e seu fracasso colossal.

Salles poderia explorar melhor a tensa relação entre Dean, Sal e Marylou. Poderia inclusive mergulhar nos conflitos filosóficos e idealistas do anárquico Moriarty, a compulsão sexual incessante de  Marylou e o amor secreto de Paradise pelos dois maiores coadjuvantes. Salles poderia dosar o jazz de forma hipnótica, entre os pequenos episódios da estrada de Kerouac, onde um novo  protagonista ressurge, ao experimentar um novo mundo e alcançar o que é necessário para a sua combustão criativa como jovem escritor. Tudo era possível ao diretor Salles. E mesmo assim, com toda clara tensão humana presente na obra literária de Kerouac, foi uma escolha do diretor estupidamente ignorar os seus melhores argumentos.

On The Road é um filme mediano por que está perdido em si. Salles apostou em uma excessiva utilização da estrada como metáfora paradoxal, e assim impediu que a sua obra alcançasse um nível mais substancial. Como espectador eu recordo de ter encontrado uma exagerada e repetitiva estrada em quadro aberto, com uma fotografia impecável e o seu bucólico horizonte infinito desafiado por carros memoráveis. Essa cena se repete tão exaustivamente, que tudo na obra de Salles torna-se passageiro. A estrada de Salles por fim matou a obra de Kerouac. Seus episódios pitorescos e essenciais para o crescimento dos personagens, se transformam em breves aspirações sem profundidade.

O filme deveria crescer em relação às tensões dos relacionamentos contidos nele, mas no fim o maior protagonista torna-se uma constante vazia na projeção do emocionado diretor. O livro de Kerouac não vale o ingresso de cinema de Salles.

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