MÚSICA | É FATO, O PIOR SHOW DO RADIOHEAD NA TOUR LATINA ACONTECEU NO BRASIL

Próximo ao bar localizado no centro do protegido gramado do Allianz Parque – a casa do time que não tem mundial (conforme indicava o descritivo do meu GPS) – eu observava a frustração de algumas pessoas que procuravam pelo copo de plástico exclusivo do Soundhearts Festival e, infelizmente, mais uma vez eram recebidos com a negativa da falta do mesmo, pois a cerveja patrocinadora aparentemente fez como o seu fiel (?) público, investindo pouco, muito pouco, na segunda e aguardada (?) visita dos elogiadíssimos músicos britânicos do Radiohead, uma instituição impecável sonora – aos olhos da crítica especializada – mas não necessariamente aos olhos do público e patrocinadores tropicais.

No Rio os dez mil presentes – dos quarenta mil esperados (observe essa equação) – deveriam ter sido privilegiados com a total autonomia de escolha de músicas do setlist apresentado, depois de todo o terror de acompanharem atônitos a mudança do local do show e data nas últimas semanas, realizada em uma tentativa de amenizar o prejuízo da visita da realeza musical inglesa em praias cariocas, o que já seria impossível em São Paulo, devido a multa estratosférica obrigatória presente no contrato de locação do estádio Allianz – sorte para público paulista, e viva a boa negociação!

Mas, ignorando a escassa presença do público – algo que deve refletir em “dificilmente veremos o Radiohead no Brasil de novo, mas talvez o saldo da tour na América Latina ainda salve alguma consideração” – vamos diretamente para as percepções do aguardado show, todos prontos para o veredito? Tudo se resume em um espetáculo indolente e tedioso. Juro.

Da forma mais objetiva possível, eu vou reunir alguns pontos principais e você leitor permita-se alguma reflexão para concordar, dialogar ou veemente discordar de tudo o que será pontuado adiante, apenas desconsidero – como sempre – qualquer manifestação histérica de fãs religiosos, afinal, a crítica se dirige aos fãs de música e não aos fãs de bandas, sempre.

Em 2009, exatamente nove anos atrás, o Radiohead realizava o seu primeiro e aguardado show em São Paulo (eu não entendo como sempre é necessário destacar que tudo relacionado ao Radiohead é aguardado, pelos fãs brasileiros – e considerando todas as suas dificuldades pertinentes obviamente – o grupo não parece ser tão aguardado, afinal reunimos a menor venda de ingressos da América Latina, mas isso é outra história), um momento ainda muito claro em minha memória, uma apresentação impecável com a abertura da banda Los Hermanos, conhecido pela alcunha de Radiohead nacional (polêmica!), realizado em um mar de lama no terrível Jockey Clube São Paulo, sob cuidados das tradicionais águas de março, nada mais paulista para sua estreia, não?

Em 2009 o Radiohead apresentou em quase duas horas e meia de show 26 incríveis canções. A tour era baseada no repertório do incrível In Rainbows, um dos seus melhores e mais “animados” álbuns. Em 2018 o Radiohead apresentou em quase duas horas e meia de show, 26 não tão incríveis canções. A tour era baseada no repertório do irregular A Moon Shaped Pool, um trabalho “muito pouco expressivo”, entre todos os seus álbuns.

Entre 2009 e 2018 muito aconteceu na carreira do Radiohead, sem qualquer dúvida, mas para quem esteve presente em sua mais recente apresentação em São Paulo a percepção não reflete a realidade. Entre as 26 “incríveis canções” apresentadas, 14 estavam presentes no setlist de 2009, sendo então apenas 12 inéditas se considerar o total de músicas do show, e a questão não é a repetição, existem canções do Radiohead que eu poderia ouvir todos os dias, mas a escolha das inéditas para este ano foi definitivamente o elemento fundamental para a análise do show: indolente e tedioso.

Vamos focar inicialmente as 12 canções inéditas, em breve análise. “Daydreaming” é uma canção linda, mas extremamente não adequada para shows em estádio. Sua beleza é melhor apreciada em ambientes fechados e intimistas, em seu lugar eu teria arriscado “Burn The Witch”, canção do mesmo álbum e eco alternativo de “Viva La Vida” do Coldplay em algum universo paralelo, com certeza. Enfim, inapropriada. “Ful Stop” é uma canção que de acordo com todas as minhas consultas, até o mais veemente fã da banda não concorda. Experimentalismo demais para uma banda com tamanha harmonia. Um dos mais tediosos momentos do show, e estamos falando sobre a segunda música apresentada, muita atenção!

“Myxomatosis” é uma pérola, ainda assim um dos momentos mais b-sides do grandioso álbum Hail To the Thief. Eu dancei, logo vou considerar este um momento neutro. “Let Down” foi sem dúvida um dos grandes momentos do show, uma música que torna válido cada centavo investido no ingresso, e apresenta a banda em um sublime momento de harmonia e emoção. Ponto positivo.

Chegamos em “Bloom”, faixa de abertura do álbum The King Of Limbs, um trabalho muito experimental e pouco apreciado. Mais uma vez, o mais fanático fã de Radiohead teria feito qualquer outra escolha de música. Fato. Seguimos então com “The Numbers”, música presente em seu último trabalho, álbum foco da turnê atual e a sexta música entre as doze inéditas apresentadas este ano em São Paulo, não se trata de uma música fácil, ela reflete o espírito depressivo e intimista deste novo trabalho, uma canção neutra para uma apresentação em estádio.

Neste momento já atendemos 50% das canções inéditas apresentadas, e o placar se resume em uma ótima canção, duas neutralidades facilmente substituíveis e três erros de escolha de repertório – de acordo com os fãs religiosos. Nada bom para os aguardados britânicos.

As demais canções guardam pérolas, são “My Iron Lung”, em uma versão desacelerada e sem o peso original de suas guitarras, resultando na percepção indolente do show, “No Surprises” irretocável e perfeita, assim como “2 + 2 = 5”, que resume em menos de quatro minutos o momento mais energético do show e nada mais. As demais três inéditas canções são terríveis exercícios de paciência para um público ansioso, acostumado com cerveja artesanais e obrigado a se contentar com a cerveja-não-cerveja patrocinadora. Um público frustrado pela falta de copos souvenir de plásticos, e confuso com a escassez de público de “uma das melhores bandas do mundo em atividade”, veja, nada fez sentido na noite de domingo em São Paulo!

Leitor, honestamente, qual entre “Identikit”, “Lotus Flower” e “Present Tense” é a pior canção do Radiohead? E qual, honestamente, você gostaria de ver presente no repertório do show? Dúvidas? Não temos qualquer. “Present Tense” é a pior canção do Radiohead, e absolutamente nenhuma das três canções gostaríamos de ver presentes no repertório do show. Triste. Triste em nível Radiohead.

Curioso para saber quais foram as 12 canções apresentadas em 2009 e não presentes este ano? Sem qualquer comentário, faça sua avaliação. Em 2009, o Radiohead apresentou: “The National Anthem”, “Karma Police”, “Talk Show Host”, “Optimistic”, “Faust Arp”, “Jigsaw Falling Into Place”, “Climbing Up the Walls”, “Videotape”, “Lucky”, “Reckoner”, “House of Cards” e, acredite, “Creep”.

É racionalmente impossível dizer que a apresentação de 2018 é melhor que a realizada em 2009. Seja diante da escolha do repertório, seja diante da exceção pecaminosa de algumas canções, seja pela estrutura, seja pelos serviços, seja por tudo.

Dúvida, quantas torres de controle de som e vídeo o Radiohead precisa posicionar no centro da pista do show, limitando a visão de parte do público na pista não-VIP e nas arquibancadas? E como mesmo assim era perceptível a falta de equalização de som ao local, as vezes muito baixo, sem vida, e outras sem completa nitidez de instrumentos? Isso sem deixar de registrar a falha técnica dos telões, o que para muitos era parte do espetáculo, uma vez que nada visualmente exibido, contribuiu para aproximar o público da performance do grupo inglês.

Seria injusto não destacar os bons momentos do show, pois com certeza para todos os presentes foi um prazer sem igual ouvir canções como “All I Need”, “Weird Fishes/Arpeggi”, e a lindíssima “Exit Music (for a Film)” um dos melhores momentos do show, a sutileza presente em “Nude”, o ritmo irresistível de “There There” e “Bodysnatchers”, o hino “Paranoid Android” e a bela “Fake Plastic Trees”, estranha apenas na posição de “música de encerramento”.

Todas essas incríveis canções estiveram presentes também na sua apresentação de estreia em São Paulo, em 2009, mas como disse antes, não se trata de repetição, são belíssimas músicas e serão sempre apreciadas, mas o grande resumo do show por fim é uma indiscutível coleção de momentos frustrantes, pertinentes a banda e a organização, mas talvez eu esteja ultrapassado demais para reconhecer a grandeza do espetáculo, como ele deve ter sido para quem assistiu a banda pela primeira vez, talvez eu não devesse considerar 2009 como um referencial, talvez eu tenha gerado expectativa demais sobre o Radiohead – aquele que deveria ser e não é um dos melhores show do ano – enfim, eu sou apenas, eu juro, apenas um grande fã do grupo. E sincero.

E se você se atrever a observar os setlists apresentados nos demais países da tour latino-americana… Irá compreender o título dessa crítica, e talvez concordar.

AVALIAÇÃO:

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